
Com o novo formato do Mundial da Fifa se aproximando, recheado de confusões, os mundiais de clubes voltam ao destaque midiático. Momento ideal para acertarmos as arestas de um tema ainda mais polêmico. Afinal, o Palmeiras tem Mundial?
A piada vale na saudável brincadeira entre os torcedores, mas para os profissionais e estudiosos sérios do futebol ela precisa parar por aí. Apesar de surpreendente para a massa, a grande verdade é que o Verdão é um autêntico campeão do mundo. O que se pode questionar na verdade é se ele foi ou não o primeiro, o que se fosse confirmado lhe conferiria uma honraria ainda maior, aquela que enaltece apenas aos pioneiros
Além do Palmeiras que resolveu levar a sério o reconhecimento internacional da sua real conquista, outros clubes brasileiros também alcançaram a mesma glória, pena que alguns ainda não se importaram em buscar a valorização da sua própria história, desconhecida de muitos de seus próprios torcedores. Fluminense, Vasco da Gama, São Paulo, Corinthians, Botafogo e Santos chegaram a finais de intercontinentais dos anos 50 e 60, e, pasmem, até o América-RJ possui um troféu com status de Mundial de clubes.
Muito desse desconhecimento a respeito dessa bonita parte da história do futebol brasileiro se dá por que são de épocas antecedentes à popularização da televisão, alguns com pouco – ou mesmo nenhum – registro de imagens, o que fez boa parte do passado ter ficado escondida até a explosão da internet. Ainda assim, mesmo quando existe o conhecimento a respeito dos fatos, a grande mídia não se interessa pela devida propagação, seja por razões comerciais – não gera likes e audiência, mero desinteresse histórico ou até por imaturo clubismo por parte de jornalistas e demais profissionais do universo midiático, que por simpatizarem por outras equipes, preferem deixar no anonimato o feito de clubes rivais.
De volta aos fatos, a realidade é que ambição das maiores forças do futebol para serem consideradas as maiores do mundo não começou em 1962, com a Taça Intercontinental conquistada pelo Santos de Pelé, e muito menos em 2000, com o Primeiro Mundial da Fifa vencido pelo Corinthians. Desde que o futebol foi compreendido como um fenômeno global, que as disputas em âmbito intercontinental começaram a ocorrer, na busca pelo número um do mundo.
Ao longo dessa história, vários torneios foram considerados em suas épocas como campeonatos mundiais de clubes. Desde a Pequena Taça do Mundo, disputada nos anos 50, na Venezuela, até o Mundial da Fifa de hoje, a disputa pelo status de melhor do planeta contou com diferentes formatos, nomes e critérios de participação, mas reconhecer a importância de cada uma é fundamental para valorizar a história do esporte, do futebol brasilero e de seus clubes.
Pequena Taça do Mundo de Clubes
A Pequena Taça do Mundo, realizada entre 1952 e 1957 na Venezuela, foi um torneio pioneiro no cenário internacional, reunindo equipes de diferentes continentes e, por isso, considerado por muitos como o primeiro Mundial de clubes. Equipes como o Corinthians, São Paulo, Vasco da Gama e Botafogo tiveram a oportunidade de chegar às finais da competição, que contava com ampla participação de times de ponta europeus e sul-americanos. O torneio foi vencido por brasileiros em três edições, duas pelo São Paulo e uma pelo Corinthians, solidificando a presença do país no cenário internacional. Algumas correntes históricas alegam que a competição não deveria ter o status de Mundial, pois a própria imprensa venezuelana não chamava o torneio com esse nome, mas com o nome oficial, que geralmente era de alguma personalidade histórica. Entretanto, o argumento não faz muito sentido se comparado a muitas competições importantes ao redor do mundo e taças relevantes que tinham, e ainda têm, o seu nome em homenagem a figuras ilustres ligadas à história do país ou do esporte. Sem falar nas características do lugar e da época que não necessariamente precisam obedecer ao que é comum e usual nos tempos modernos de nossa região.
Copa Rio
A própria Copa Rio Internacional, ocorrida em 1951 e 1952, é exemplo disso. Hoje é considerada pela maioria dos mais renomados e sérios historiadores esportivos e pelos jornalistas não clubistas da área, como um autêntico “Campeonato Mundial de Clubes”. Em sua primeira edição, ao derrotar a poderosa Juventus da Itália, o Palmeiras tornou-se campeão. Já em 1952, o Fluminense foi o vencedor, derrotando o Corinthians e reafirmando a força do futebol brasileiro.
Torneio Octogonal Rivadávia Corrêa Meyer
O Torneio Rivadavia Corrêa Meyer, realizado em 1953, foi uma continuidade da Copa Rio, com novos patrocinadores, formato e regras, mas também organizado pela CBD e com autorização da entidade máxima do futebol. Ele também reuniu equipes sul-americanas e europeias de prestígio internacional. Desta vez foi o Vasco da Gama o grande vencedor, ao derrotar o São Paulo na final.
Alguns críticos tentam desqualificar as competições acima por terem tido finais disputadas por dois times brasileiros, mas é importante lembrar que o nosso futebol já começava a comandar o cenário internacional, não sendo nenhuma surpresa uma dobradinha na finalíssima. Vale a lembrança de que os craques brasileiros não jogavam nas potências da Europa, mas em território nacional. Isso explica porque o futebol de clubes do Brasil era tão poderoso. Em 1948, o próprio Vasco da Gama foi campeão do 1º Campeonato Sul-Americano de Clubes, pondo fim ao até então eterno favoritismo dos argentinos do poderoso River Plate, já em 1950 a seleção brasileira até perdeu a final da Copa do Mundo para o Uruguai, mas o resultado foi considerado pelos especialistas da época como uma “zebra” histórica, justamente pelo Brasil ter o melhor futebol, e, finalmente, em 1958 e 1962 nossa seleção foi bicampeã da Copa do Mundo. Ou seja, o futebol praticado pelos jogadores brasileiros era extremamente forte àquela altura.
Vale lembrar também que, no Mundial de Clubes da Fifa, realizado no ano 2000, também ocorreu uma final brasileira, sem haver nenhum questionamento quanto a isso. Em resumo, fica evidente que as dobradinhas brasileiras não desqualificaram nenhuma das competições mencionadas.
Primeiro Torneio de Paris
Bem mais do que apenas um dos torneios de maior prestígio da época, como tentam diminuir alguns críticos, o 1º Torneio de Paris, disputado em 1957, em Paris, foi mais uma competição com status de Mundial de Clubes, sobretudo em sua primeira edição, criada justamente nesse intuito: colocar frente a frente representantes das duas principais escolas de futebol, a sul-americana e a europeia, e assim verificar qual delas era a maior do mundo. O Vasco era considerado a maior força do futebol sul-americano. A conquista de 48 ainda estava presente na memória dos europeus, e as conquistas que ainda viriam nesse mesmo ano atestam essa consideração. Já o Real era o dono do melhor futebol do planeta, segundo a imprensa internacional.
A exemplo do que ocorreu na criação da Taça dos Campeões Europeus (hoje chamada de Liga dos Campeões), que foi inspirada nos relatos dos jornalistas da Europa que cobriram o 1º Campeonato Sul-Americano, o 1º Torneio de Paris certamente foi inspirado nos Mundialitos de sucesso da Venezuela, na Copa Rio e no Rivadávia, para onde viajaram diversas equipes europeias. Agora, o torneio Mundial teria pelo menos uma edição realizada no Velho Continente, com o nome em homenagem à Cidade Luz.
A competição contou com quatro equipes, sendo duas protagonistas e duas coadjuvantes, dentre as quais estavam a representante sul-americana, a principal equipe europeia e uma local, do país sede. Na finalíssima, o Vasco da Gama derrotou o até então imbatível Real Madrid, um feito que ajudou a fortalecer ainda mais o prestígio do futebol brasileiro.
Copa Intercontinental
Os organizadores do Torneio de Paris conseguiram alcançar o objetivo de sediar um Mundial em território europeu, mas isso durou pouco tempo. Apesar de a competição ter prosseguido por muitos anos, ela não teve a mesma qualidade e ficou esvaziada com o nascimento da Copa Intercontinental, em 1960, não podendo mais ser encarada como tal. A nova competição herdou a ideia francesa, consistindo em um confronto entre o campeão europeu e o campeão sul-americano, mas agora em dois jogos e sem clubes coadjuvantes. Daí a origem do nome.
O torneio, disputado entre o campeão da Liga dos Campeões da UEFA e o vencedor da Copa Libertadores da América, conferiu a equipes como Santos, Peñarol e Real Madrid o status de autênticos campeões mundiais. O Santos de Pelé, por exemplo, conquistou o título em 1962 e 1963, derrotando as equipes do Benfica e Milan.
Copa Toyota
A partir de 1980, a Copa Intercontinental passou a ser patrocinada pela montadora de carros japonesa Toyota, sendo batizada com o nome da patrocinadora. A disputa passou a ser realizada em jogo único, em Tóquio, quando este país começou a demonstrar interesse pelo esporte. O novo formato e a propaganda aumentaram ainda mais a popularidade do torneio, no qual clubes brasileiros como São Paulo, Flamengo e Grêmio ganharam notoriedade ao derrotarem grandes potências europeias. A competição durou até 2004, passando a ser substituída pelo Mundial da Fifa.
Mundial de Clubes da Fifa
Com o novo milênio, a Fifa decidiu criar um torneio que reunisse campeões de todos os continentes, ampliando o conceito de um campeonato Mundial de clubes. A primeira edição ocorreu em 2000, no Brasil, sendo vencida pelo Corinthians. Após alguns ajustes no formato e interrupções, o torneio foi consolidado e se tornou o evento anual para determinar o melhor clube de futebol do mundo. Atualmente, equipes de todos os continentes competem pelo título, dando ao torneio uma dimensão global.
Afinal, o América-RJ foi campeão Mundial?
Para qualquer americano a resposta é sim. Em 1981, o América-RJ venceu o Torneio Internacional de Caracas, uma competição que contava com times de diferentes países e, no mínimo, foi vista como um torneio internacional de alto nível.
Vale ressaltar que o Mequinha já foi um dos grandes do futebol carioca, consequentemente uma equipe respeitada em âmbito nacional. Como prova disso, na final, o América derrotou o Peñarol, um dos grandes clubes do Uruguai e da América do Sul.
Embora o torneio não tenha sido oficialmente reconhecido como um “Mundial” (apesar de que os outros anteriores ao Mundial da Fifa também não foram), ele teve grande relevância, dado o prestígio dos times participantes.
A importância histórica dos mundiais do passado
Ignorar a relevância desses torneios antigos é, de certo modo, desvalorizar a própria história do futebol e suas conquistas. Esses campeonatos eram vistos em suas épocas como legítimos mundiais, com prestígio equivalente ou até superior ao que vemos hoje em algumas competições. A vitória de clubes brasileiros e sul-americanos sobre gigantes europeus nesses teve grande impacto cultural e esportivo.
Os feitos do passado, especialmente as vitórias de clubes brasileiros como Palmeiras, São Paulo, Flamengo, Fluminense, Vasco e Santos, foram grandes conquistas e ajudaram a moldar a hegemonia do futebol brasileiro no cenário Mundial. Desconsiderar esses eventos seria uma injustiça não apenas com os clubes, mas com os jogadores e torcedores que viveram e testemunharam esses momentos históricos. A verdade é que se eles não eram perfeitos e por tal razão não podem ser considerados verdadeiros mundiais, os mais recentes, também cheios de buracos e imperfeições, seguem a mesma linha e também não o são, incluindo o oficial da Fifa. Afinal, Mundial com apenas dois continentes pode? Mundial não oficial vale? Mundial com apenas um ou dois jogos? Mundial com jogadores diferentes das competições continentais que lhe propiciaram a vaga faz sentido? Mundial com mais times de fora da Europa, quando as 20 equipes mais fortes do mundo são europeias? Mundial sem interesse de conquista por parte dos clubes e jogadores europeus?
Enfim… sobram motivos para desqualificar cada torneio. Assim, ou valem todos ou não vale nenhum. Claro que todos preferem a primeira opção. Ora, eles carregam consigo a essência das características de suas épocas e o espírito competitivo global. Cada um deles deixou sua marca no futebol, e reconhecê-los é preservar a rica cultura do esporte que tanto apaixona as pessoas ao redor do mundo. Com tudo isso, agora você já tem condições de responder à pergunta da brincadeira: afinal, o Palmeiras tem Mundial? Sim, e com M maiúsculo.









