Ainda há luz no fim do túnel?
Apesar do tema de hoje ser Vasco da Gama, este artigo está longe de ser leitura exclusiva dos vascaínos. Afinal, assim como seus rivais regionais, o velho clube de São Januário vai muito além da esfera esportiva e das rivalidades dentro de campo.
Patrimônio da cidade do Rio de Janeiro, ícone esportivo do estado e com sua história mais do que centenária enraizada na vida social, cultural e até política da nação, o Vasco é de todos. Um gigante assim não poderia ter sido tão maltratado durante tanto tempo.
Até para os rivais cariocas – pelo menos para os mais racionais e esclarecidos, não é interessante a fragilidade do Almirante, afinal, quanto menos clubes de pujança na cidade, mais desqualificada será a competição disputada, menos valorizadas serão as conquistas e até as vitórias não terão o mesmo apreço – vide os valores reduzidos das cotas de patrocínio do Campeonato do Rio de Janeiro. E cá entre nós, bater em doente não glorifica ninguém.
Pois é, até os gigantes adoecem, e a patologia cruzmaltina é crônica. Afinal, são mais de 20 anos na UTE – Unidade de Tratamento Esportiva. Os especialistas garantem que há tratamento, afirmam que a cura está próxima, mas os sintomas abalam a esperança do paciente e seus familiares.
O torcedor vascaíno anda tão desesperado que é comum na arquibancada ver ateu conversando com o céu e cristão falando em desenterrar sapo no gramado. Tornou-se comum ouvir que o problema é sobrenatural e que só dará certo derrubando o estádio e começando tudo de novo. São características típicas de quem está desnorteado, e é assim a vida do vascaíno, sem bússola, sem saber no que acreditar e movido apenas pela paixão. Torcedores rivais, antes ferrenhos adversários no tradicional debate do bar, hoje consolam seus amigos cruzmaltinos, como aconteceu na recente derrota por 6 a 1 para o ainda arquirrival Flamengo. Essa seria uma bela demonstração de carinho, se não fosse o reflexo do casamento do fracasso do futebol com o desespero da arquibancada.
Não obstante, sinto em informar que essa comovente cena de compaixão e amizade tende a estar com os dias contados. Lembra dos especialistas? Pois é, o brasileiro gosta de ignorá-los e prefere acreditar no sapo do gramado, mas geralmente é a razão que trazem que ao final prevalece, e o que ela diz sobre o futuro do Gigante é bastante animador.
A verdade é que os recentes reveses parecem ser mera continuação dos mais de 20 anos de sofrimento, principalmente para o torcedor mais apaixonado, entretanto, essa impressão não é real. E isso é bom.
Abro um parêntesis para lembrar que até esse clichê de “20 anos em crise”, que dá a entender que durante todo esse período ocorreu uma crise contínua, não é verdadeiro. O Vasco da Gama foi submergindo aos poucos a partir de 2002 até chegar em seu pior momento no rebaixamento em 2008, totalizando 7 anos de tribulação. Mas em 2009 ele reagiu e foi muito bem até 2012, com diversas alegrias em campo e grande transformação administrativa e financeira, tornando-se a principal força do futebol carioca, conquistando título nacional e tendo boa participação nas competições internacionais. Foi um triênio de muita alegria! O problema é que em 2013 problemas administrativos geraram uma segunda grave crise, ainda maior do que a primeira, que originou dívidas estratosféricas e culminou em mais três rebaixamentos. Ressalta-se que, assim como a primeira, esta também acabou. Em 2022, após 10 anos de crise, o Vasco da Gama virou Sociedade Anônima, voltou à primeira divisão, sua torcida viu suas dívidas serem equacionadas e milhões de dólares entrarem nos cofres para serem investidos no futebol. E aqui fecho o parêntesis.
Fica claro que não se trata de uma crise única e contínua de 20 anos, assim, não há sapos a serem desenterrados, e nem é necessária a blasfêmia de desejar que um dos maiores templos do futebol seja demolido para que o Vasco volte a ser campeão. O problema de hoje é que a sócia majoritária, a holding americana 777 Partners, investiu muito mal no futebol, apesar dos altos valores gastos, o que explica as goleadas sofridas e o mau desempenho nas competições disputadas. E isso não tem relação com as crises anteriores.
Entretanto, a tendência é que isso acabe logo. Por ironia do destino, a empresa foi afastada da gestão do clube devido a graves problemas jurídicos e financeiros, e tudo leva a crer que em pouco tempo o Vasco terá um novo grande investidor para dar seguimento ao processo de revitalização. Espera-se que um novo sócio majoritário, com expertise no futebol, desta vez faça os investimentos da maneira correta, para que o grande e inquestionável potencial do Gigante seja explorado a fim de trazer de volta a alegria da imensa torcida bem feliz. Veja bem, não é questão de otimismo, trata-se de tendência mercadológica. O que o mercado espera do novo Vasco é uma equipe competitiva e novamente cofres recheados dentro de alguns meses.
Essa é uma notícia ruim apenas para uma meia dúzia de torcedores rivais que não pensam grande e preferem vida fácil em competições desvalorizadas e sem emoção. Mas é a boa nova para quem gosta do esporte, para quem ama a Cidade Maravilhosa, para os rivais que desejam ver seus times vencendo adversários fortes em emocionantes disputas e, claro, para os vascaínos que, diante de tanta paixão e fidelidade demonstradas ao longo de duas grandes crises, merecem ouvir o hino vascaíno ecoando novamente ao final das grandes decisões.
Até breve, Gigante. Já já o remédio fará efeito.