Professores do Ibmec analisam impactos econômicos, sociais e governamentais a partir da crise no RS provocada pelas fortes chuvas

As recentes chuvas que assolaram o Rio Grande do Sul deixaram um rastro de destruição que afetaram milhares de famílias. A situação tem demandado resposta rápida e ações coordenadas para lidar com as consequências devastadoras vistas nos últimos dias. Dados da Defesa Civil apontam mais de 1,74 milhões de pessoas afetadas pelas chuvas. Em resposta à urgência da situação, o governo federal destinou cerca de R$ 60 bilhões em resposta à catástrofe. A reconstrução das cidades vai demandar tempo, investimento e ações coordenadas entre poderes público, privado e iniciativas populares para que as vítimas possam retornar às suas vidas. Confira abaixo a análise de professores do Ibmec sob perspectivas variadas sobre o impacto da crise e os próximos passos necessários para a recuperação no estado gaúcho.

Economia
O professor de Economia José Ronaldo Souza destaca em primeiro lugar a relevância da rede de solidariedade que está se formando. Esta rede não apenas proporciona apoio logístico e doações tradicionais, mas também representa um importante meio de auxílio para a comunidade afetada.
Além disso, o professor considera crucial um esforço de investimento na região para impulsionar sua recuperação econômica. “Após o período de crise e quando as águas baixarem, será essencial promover o crescimento local. Neste sentido, acredito que os investimentos por meio de parcerias privadas podem desempenhar um papel significativo. A infraestrutura necessária demandará um volume considerável de recursos, os quais serão viabilizados tanto por ações governamentais quanto por parcerias público-privadas.
É importante ressaltar que, em alguns casos, como na construção de rodovias, a simples cobrança de pedágio pode não ser suficiente para cobrir os custos. Nessas situações, é fundamental a participação do setor público em parceria com o privado para garantir a viabilidade dos empreendimentos.
Diante das limitações orçamentárias do setor público, os investimentos em infraestrutura devem ser majoritariamente conduzidos pelo setor privado. Esse modelo de parceria se apresenta como um caminho relevante e necessário para a reconstrução da região afetada, levando em consideração as restrições financeiras do setor público”.
Para o professor de Finanças Gilberto Braga a questão patrimonial decorrente das recentes enchentes no Rio Grande do Sul é de extrema importância, pois envolve não apenas perdas materiais para o Estado, municípios e cidadãos gaúchos, mas também levanta questões sobre responsabilidade, possibilidade de indenizações e mensuração das perdas econômicas. É crucial discutir se as autoridades podem ser responsabilizadas por omissão de atitudes diante de eventos climáticos imprevisíveis, como as enchentes.
No âmbito econômico futuro da região, há preocupações de natureza macroeconômica. Setores industriais chave, como o polo moveleiro, de produção de bebidas e petroquímico, enfrentam interrupções significativas em sua produção, o que gera perdas e lucros cessantes. O impacto desses eventos na indústria, bem como as possibilidades de ressarcimento e quantificação dos prejuízos, são temas de relevância.
No agronegócio, já se observam perdas expressivas, como uma redução estimada de 15% na safra de arroz, considerando que o Rio Grande do Sul é o principal produtor nacional deste cereal. Além disso, culturas como milho, soja, algodão e a criação de gado bovino também sofrem impactos significativos. O aumento nos custos de produção pode gerar um repique inflacionário não apenas nos produtos regionais, mas em todo o país, considerando o uso desses insumos na produção de ração animal.
É importante ressaltar que a recuperação após as enchentes não será simples, demandando um processo de reconstrução que envolve debates sobre como financiá-lo. Ao contrário de eventos temporários como a pandemia de Covid-19, a reconstrução pós-enchentes requer um esforço contínuo e coordenado, tanto do poder público quanto do setor privado, para restaurar a normalidade e promover a recuperação econômica e social da região afetada.

Infraestrutura Urbana

Na visão de Silvio Oksman, coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo do Ibmec SP, “as recentes chuvas no Sul do país, para além da situação dramática e emergencial do momento, exigem uma reflexão cuidadosa sobre como será a recuperação das áreas urbanas destruídas durante essa inundação. A urbanização das nossas cidades ao longo do século XX, de forma geral, privilegiou infraestruturas rodoviárias, espraiamento do tecido urbano sem controle – invariavelmente com a ocupação em áreas de risco pelas camadas mais vulneráveis da sociedade – e o consequente desrespeito à áreas verdes, cursos d’água e áreas de amortecimento.
O discurso de “reconstrução” traz em si um risco de repetição dos erros que são causa direta da situação atual e de diversas outras que vimos aumentar nos últimos anos: Serra Fluminense, Litoral norte de São Paulo entre outras.

As ações agora precisam considerar a recuperação das áreas naturais, sistema de drenagem, ocupações responsáveis ambiental e socialmente, projetos de expansão da mancha urbana. O desafio é, em primeiro lugar, rever posturas consolidadas no último século e, em muitos casos, partir de princípios completamente diferentes. Desde o desenho de implantação de infraestruturas – evitar fundos de vales, liberar nascentes, evitar áreas de grande declividade, até a escolha de tecnologias e materiais que diminuam ao máximo o impacto das novas instalações.

Situações como a que estamos assistindo na região Sul podem ser comparadas à de uma Guerra. Como se reconstrói a cidade depois de uma tragédia de dimensões enormes? Coloca-se aí mais um fator que não pode ser negligenciado: a identidade cultural das pessoas, seu senso de pertencimento. Além das perdas materiais, essa sociedade vai se reestruturar após um trauma. A cidade e a arquitetura têm um papel importante nesse processo. O cuidado naquilo que se preserva e restaura, a delicadeza de não perder mais do que já se perdeu é parte da recuperação de uma vida cotidiana no espaço urbano.

Nem bem considerar que tudo se perdeu, nem bem refazer como se nada tivesse acontecido. Esses novos projetos nascem em diálogo com uma história que deve ser preservada junto com suas dores e feridas”.

Investimentos / Fundos de Agro (Fiagros)

A professora Gecilda Esteves Silva, de Ciências Contábeis do Ibmec Rio de Janeiro, fala sobre as expectativas para investimentos focados em setores do agronegócio, especialmente fundos como Fiagros. Segundo ela, o investidor precisa estar atento ao investir em Fiagros, analisando fatores como recuperação, histórico de gestão do fundo, estratégia de investimento e diversificação da carteira.
“O agronegócio está exposto a diversas questões, inclusive intempéries climáticas. Quando o investidor não observa se os seus investimentos estão muito focados em um setor ou região específica do agro, ele pode ficar mais exposto. Por isso, o ideal é analisar a composição da carteira e tornar o Fiagros diversificado, com exposição a diversas regiões brasileiras. Ainda é cedo para dizer se teremos ou não problemas no desempenho desses fundos, mas o investidor precisa ficar atento e redobrar a atenção nos fundos que possuem muitos participantes da região sul, ou que esses participantes ocupem uma cota expressiva dentro daquele Fiagro, porque há a possibilidade, em função da catástrofe”.

Tecnologia

Já Samuel Barros, reitor do Ibmec RJ, comenta como a tecnologia e IA podem auxiliar na redução de danos às cidades em eventos climáticos como os que o RS está enfrentando.
“A utilização da inteligência artificial (IA) no contexto de eventos climáticos oferece uma ampla gama de possibilidades. Uma das principais áreas de aplicação é a previsão climática. A IA pode processar conjuntos de dados históricos sobre umidade, precipitação e temperatura para antecipar eventos meteorológicos, como enchentes, secas e outros fenômenos extremos. Embora haja uma margem de erro, essa capacidade de previsão é valiosa para o planejamento e a resposta a emergências. Além da previsão, a IA pode ser empregada na simulação de catástrofes. Por meio de algoritmos avançados, é possível simular cenários de desastres, como tornados e inundações, em áreas onde tais eventos são raros. Essas simulações ajudam na preparação e no planejamento de resposta a desastres, permitindo uma abordagem proativa para mitigar danos.

Durante e após desastres naturais, a IA desempenha um papel crucial na gestão de crises e na recuperação de comunidades afetadas. Por exemplo, algoritmos de IA podem otimizar rotas de entrega de suprimentos essenciais com base nas necessidades previstas das populações afetadas. Além disso, a IA pode ajudar a priorizar tarefas de reconstrução e recuperação, acelerando o processo de restabelecimento da infraestrutura e dos serviços básicos.

Em um nível mais amplo, a IA pode ser empregada para mapear e entender fenômenos climáticos globais, como o El Niño e La Niña. Ao analisar padrões climáticos complexos, os sistemas de IA podem prever tendências de longo prazo, como mudanças nos padrões de chuva e secas. Essas previsões são essenciais para o planejamento estratégico e a adaptação às mudanças climáticas em escala global.

Em resumo, a inteligência artificial oferece uma ampla gama de aplicações no gerenciamento de eventos climáticos, desde a previsão e simulação até a gestão de crises e adaptação às mudanças climáticas. Investimentos contínuos em pesquisa e desenvolvimento nesse campo são essenciais para maximizar os benefícios da IA na mitigação dos impactos dos eventos climáticos extremos.”

‍  ‏  

Apoio Internacional

Para o professor José Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais, a catástrofe ambiental que assolou o estado do Rio Grande do Sul evidencia a necessidade premente de uma resposta abrangente e coordenada. Este evento, que afetou não apenas cidades isoladas, mas todo o estado, possui duas dimensões cruciais a serem consideradas.
“Primeiramente, há o aspecto socioeconômico profundo e multifacetado. A reconstrução das áreas atingidas não se resume apenas à restauração das infraestruturas danificadas, estimada em cerca de 20 bilhões de reais, mas também à revitalização da vida econômica e social das comunidades afetadas. É imperativo lembrar que essas comunidades não são compostas apenas por gaúchos, mas também por brasileiros e estrangeiros de diversas partes do mundo, refletindo a história de migração que caracteriza muitas dessas cidades.

Além disso, é crucial não subestimar o impacto humano e psicossocial dessa tragédia. A solidariedade entre os habitantes do mesmo território, destacada por Max Weber em sua obra, emerge como um elemento central na resposta a essa crise. A identificação e apoio de outras partes do Brasil são essenciais para impulsionar a reconstrução e fortalecer os laços de solidariedade nacional.

Nesse contexto, a união política e institucional se torna vital. É fundamental que os diversos níveis de governo deixem de lado suas diferenças ideológicas e ajam em conjunto para buscar soluções eficazes. A atuação do Estado, enquanto agente coordenador e executor de políticas públicas, é crucial nesse processo, pois cabe a ele liderar os esforços de reconstrução em parceria com o setor privado e a sociedade civil.

Portanto, a reconstrução do Rio Grande do Sul não pode ser deixada exclusivamente ao mercado. O Estado, munido de suas estruturas políticas e administrativas, emerge como o principal agente na recuperação e reconstrução do estado. A importância da presença estatal é ressaltada não apenas na mobilização de recursos, mas também na garantia da segurança, na coordenação de esforços e na promoção do bem-estar social.

Assim, diante da magnitude da crise, torna-se evidente a relevância de uma intervenção estatal eficaz. Esta catástrofe destaca a importância de estruturas estatais fortes e eficientes, capazes de lidar não apenas com as consequências imediatas, mas também de promover a resiliência e a recuperação a longo prazo.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.