Por que grupos de esquerda são geralmente críticos a Israel e, em alguns casos, até apoiam movimentos considerados terroristas?

Tem sido bastante comuns as entrevistas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive em redes internacionais, atacando as ações de Israel no Oriente Médio, após o ataque sofrido ao final do ano passado pelo grupo terrorista Hamas, que além de assassinatos a civis, sequestrou cidadãos comuns, incluindo mulheres e crianças, e mantém muitos deles até hoje sob cárcere e até tortura, segundo denúncias. Diante disso, fica a dúvida: por que grupos de esquerda, liderados pelo presidente da república, ainda são tão críticos a Israel e, em alguns casos, até defendem e apoiam movimentos considerados terroristas?

Os grupos de ideologia à esquerda frequentemente criticam Israel e, em alguns casos, apoiam ou expressam solidariedade a movimentos considerados terroristas por outros países, como o Hezbollah e o Hamas. Essas posições não são monolíticas, variam entre diferentes vertentes da esquerda e têm raízes complexas que envolvem questões históricas, geopolíticas, ideológicas e morais. A seguir, exploraremos os principais fatores que explicam essa postura.

  1. Colonialismo e Imperialismo
    Muitos grupos de esquerda enxergam a criação do Estado de Israel em 1948 como parte de um processo de colonialismo e imperialismo. Para eles, a fundação de Israel foi acompanhada pela expulsão ou deslocamento de centenas de milhares de palestinos (a “Nakba” para os palestinos), o que é visto como um ato de ocupação colonial de terras árabes.

Nessa visão, a luta dos palestinos contra Israel é percebida como uma luta anticolonialista — algo que tem ressonância histórica para a esquerda, que tradicionalmente apoia movimentos de libertação nacional contra potências coloniais. Ao alinhar-se com grupos palestinos que resistem a Israel, alguns movimentos de esquerda acreditam que estão apoiando uma luta justa contra o que consideram ser uma ocupação imperialista.

  1. Solidariedade com Movimentos de Libertação Nacional
    Ao longo da Guerra Fria, muitos movimentos de esquerda apoiaram lutas de libertação em várias partes do mundo, desde a América Latina até a África e o Oriente Médio. Dentro desse contexto, grupos como o Hamas (na Palestina) e o Hezbollah (no Líbano) são vistos por alguns setores da esquerda como movimentos de resistência nacional e popular contra o que eles consideram ser a opressão israelense e o imperialismo ocidental.

Apesar de métodos violentos usados por esses grupos, a esquerda radical frequentemente os vê como a expressão legítima de povos oprimidos, comparando sua luta à de movimentos históricos que também recorreram à luta armada, como as revoluções cubana e vietnamita. Essa perspectiva pode ignorar as críticas mais amplas ao extremismo e às violações de direitos humanos cometidas por esses grupos.

  1. Questão dos Direitos Humanos
    A esquerda, especialmente em sua ala mais progressista, tende a criticar as políticas de Israel em relação aos palestinos com base nos direitos humanos. O tratamento dado por Israel aos territórios ocupados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, a construção de assentamentos e a repressão a protestos palestinos são frequentemente vistos como violações dos direitos humanos.

Para esses grupos, as ações militares israelenses contra civis palestinos e a falta de uma solução de dois Estados alimentam a percepção de que Israel é um Estado opressor. A esquerda mais crítica frequentemente aponta para o bloqueio de Gaza, os ataques militares e a desigualdade de condições entre israelenses e palestinos como justificativas para apoiar movimentos de resistência, mesmo aqueles que utilizam a violência.

  1. Anti-imperialismo e Antiamericanismo
    Muitos grupos de esquerda enxergam Israel como um aliado estratégico dos Estados Unidos no Oriente Médio, e a crítica a Israel está ligada à crítica mais ampla ao que chamam de “imperialismo americano”. Israel é frequentemente visto como uma peça-chave na política externa dos EUA na região, e o apoio econômico e militar dos EUA a Israel é uma questão sensível para a esquerda, que historicamente se opõe ao intervencionismo americano.

Grupos de esquerda, especialmente aqueles alinhados com o antiamericanismo, tendem a associar o conflito israelense-palestino a uma extensão do poderio militar e econômico dos Estados Unidos, o que fortalece sua oposição a Israel.

  1. Questão Ideológica e Religiosa
    Outro fator relevante é a rejeição de alguns setores da esquerda ao sionismo como movimento ideológico. O sionismo, que é o movimento pela criação e manutenção de um Estado judeu em Israel, é visto por certos grupos de esquerda como uma forma de nacionalismo étnico que nega os direitos dos palestinos e contribui para a exclusão e segregação.

Além disso, enquanto o movimento palestino tem elementos islâmicos e nacionalistas, a esquerda secular muitas vezes apoia esses movimentos, independentemente de suas motivações religiosas, pelo valor que atribui à autodeterminação. Isso pode levar à incongruência ideológica, já que muitos grupos de esquerda tradicionalmente não apoiam movimentos religiosos, mas fazem exceções no caso de grupos como Hamas e Hezbollah devido à questão da ocupação.

  1. Crítica ao Conceito de “Guerra ao Terror”
    A “guerra ao terror”, iniciada pelos Estados Unidos após os ataques de 11 de setembro, é amplamente criticada pela esquerda global. Essa crítica se estende à maneira como Israel justifica suas ações militares contra grupos como o Hamas, utilizando o combate ao terrorismo como razão para suas ofensivas militares.

Para alguns setores da esquerda, a rotulagem de movimentos como Hamas e Hezbollah como “terroristas” serve para justificar a repressão israelense e ocultar as causas subjacentes do conflito, como a ocupação e a desigualdade. Assim, esses grupos tendem a relativizar ou minimizar o terrorismo quando ele é perpetrado em nome da resistência contra Israel.

  1. Crítica ao Nacionalismo Etnorreligioso
    Outra crítica comum por parte da esquerda ao Estado de Israel é o fato de ele se definir como um Estado judeu, o que, segundo eles, cria uma divisão étnica e religiosa entre cidadãos judeus e não judeus. Para muitos grupos de esquerda, a ideia de um Estado nacional baseado em uma identidade religiosa específica vai contra os princípios de igualdade e inclusão.

Essa crítica é especialmente forte entre os grupos que defendem o modelo de um Estado laico e inclusivo para todos os seus cidadãos, independentemente de religião ou etnia, o que colide com a ideia de um Estado judaico que privilegia uma comunidade em detrimento de outra.

Conclusão

A oposição de alguns grupos de esquerda a Israel e o apoio, em alguns casos, a movimentos armados como Hamas e Hezbollah estão enraizados em fatores históricos, ideológicos e geopolíticos. Eles veem a questão palestina como uma luta contra a ocupação e o imperialismo, o que ressoa com suas tradições de apoiar movimentos de libertação nacional e de resistir ao que consideram ser dominação imperialista.

No entanto, essa posição é amplamente criticada por outros setores, que apontam para o extremismo e as práticas violentas desses grupos. A posição da esquerda sobre Israel, portanto, é complexa e marcada por tensões entre o apoio à autodeterminação e a rejeição de métodos extremistas e de políticas religiosas exclusivistas.

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