
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) foi acionado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) após a divulgação de práticas ilegais em igrejas e templos, onde religiosos tentam influenciar a população com desinformação e preconceito. Grupos religiosos tentam influenciar votação para Conselhos Tutelares com desinformação
O Ministério Público Federal (MPF), através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) no Rio de Janeiro, solicitou ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que adote medidas para combater a prática de abuso de poder religioso e para garantir a lisura nas eleições para conselheiros tutelares no Brasil.
Segundo o MPF, o objetivo da cobrança é para que o pleito marcado para o próximo domingo (1) seja realizado sem a interferência de líderes religiosos. O órgão espera que a eleição siga os princípios constitucionais, como os da liberdade religiosa e da laicidade estatal, ou seja, a separação entre Estado e Igreja.
A solicitação ao Conanda aconteceu após a divulgação de práticas ilegais em igrejas e templos de diferentes religiões, onde membros tentam influenciar a população com desinformação e preconceito.
Vídeo mostra atuação irregular
Neste sábado (30), na véspera da eleição, o g1 mostrou que membros de grupos religiosos estão influenciando fiéis dentro e perto de templos para votar em seus candidatos para Conselhos Tutelares do Rio de Janeiro.
Pastor faz propaganda para candidato ao conselho tutelar do Rio durante culto da igreja Universal da Ilha
Raoni Alves / g1 Rio
O g1 constatou a prática na porta de uma igreja e recebeu imagens com campanha direta acontecendo dentro de outro templo.
Segundo a Comissão Especial da Eleição dos Conselheiros Tutelares, tanto a campanha para conselheiros específicos dentro do templo como em sua porta, associada com insinuações durante cerimônias, desrespeitam a legislação.
Imagens exclusivas feitas pelo g1 mostram pastores e membros de igrejas divulgando informações falsas e induzindo os eleitores a votarem em candidatos de seus grupos, o que é irregular, de acordo com a resolução que regulamenta a eleição para os conselhos do Rio.
Em um dos flagrantes, membros de uma Igreja na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio, distribuem panfletos de um candidato e atacam adversários com preconceito e desinformação.
“Tem um (candidato) que é concorrente dele [do candidato defendido pela igreja], não que eu tenha algum preconceito, mas ele falou que no dia da votação vai todo montado de drag queen”, disse um membro da igreja na Ilha do Governador a um eleitor.
Durante um culto realizado em uma Igreja Batista, essa na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, um pastor é direto na propaganda irregular.
“Nós temos um membro da igreja aqui que é candidato na área de Jacarepaguá. Filippe, vem aqui. Pode ficar aqui embaixo mesmo (na frente do palco). Ali na região do Anil, o Filippe é candidato”, comenta o pastor.
Um dos vídeos feitos pelo g1 mostra que os membros da igreja da Ilha sabem que a abordagem é irregular.
“Ele é do nosso grupo, da parte cristã. Só que a gente não pode. Já saiu várias leis, resoluções, que a gente não pode ta fazendo a propaganda dentro da igreja”, comentou um religioso.
O pastor Josué Valandro, da Igreja Batista Atitude, da Barra da Tijuca, pede voto para o candidato Filipinho (de camisa branca).
Reprodução redes sociais
Candidaturas podem ser impugnadas
A Comissão Especial da Eleição dos Conselheiros Tutelares, órgão ligado ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), responsável pela organização do pleito, está de olho nas denúncias. São mais de 50 processos administrativos sobre a suspeita de atuação irregular dos candidatos ao cargo responsável por garantir os direitos de crianças e adolescentes no município.
Para Patrícia Coda, coordenadora da comissão eleitoral, as práticas registradas são irregulares e devem ser investigadas.
“O candidato ao Conselho Tutelar, durante seu período de campanha, não pode vincular sua campanha a nenhuma organização religiosa, tal como organização partidária ou outras organizações da sociedade civil”, explicou Coda.
“Nem tão pouco a organização pode manifestar a preferência por este ou aquele candidato”, afirmou a coordenadora.
De acordo com a resolução municipal que regulamenta a eleição para os conselhos do Rio, a realização de campanha em igrejas e templos de qualquer religião é considerada como abuso de poder religioso, o que pode provocar a impugnação do candidato.
“A organização (igreja) pode apresentar os candidatos e promover debates, desde que convide todos os candidatos daquele conselho tutelar. (…) Não importa se essa manifestação de preferência por um ou outro candidato dentro de uma organização acontece de forma explicita ou de forma velada”, disse Patrícia Coda.
“Uma vez identificada, a irregularidade será apurada administrativamente, a comissão eleitoral e o CMDCA darão o encaminhamento necessário para que as medidas adequadas sejam tomadas”, explicou.
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Todas as denúncias que chagam ao CMDCA são analisadas e os candidatos são chamados para apresentar suas defesas. Após o andamento do processo e a possibilidade de sanções administrativas, os casos também são enviados ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que pode sugerir ações judiciais contra os candidatos.
Segundo a promotora Rosana Cipriano, titular da 1ª Promotoria da Justiça da Infância e da Juventude da Capital, caso se comprove abuso de poder religioso durante a campanha eleitoral, o candidato pode perder seu cargo, mesmo após ser eleito e tomar posse.
“Num primeiro momento, cabe à Comissão Eleitoral aplicar sanções a esses casos e posteriormente, enviar peças de informações ao Ministério Público, com provas, para subsidiar ações judiciais de impugnação de campanha ou até mesmo destituição do cargo de Conselheiros Tutelar”, comentou a promotora Rosana Cipriano.
Outro órgão que vem recebendo denúncias de suspeitas de fraude na eleição é a Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ. Segundo Ítalo Pires Aguiar, presidente da comissão, os conselhos tutelares devem representar a pluralidade da sociedade, sem que um único grupo seja dominante.
“Tentativas de ocupação homogênea das vagas de conselheiros devem ser rechaçadas pelas entidades que participam da organização e fiscalização das eleições”. disse Ítalo Pires.
Como votar para o Conselho Tutelar
No próximo domingo (1), a população carioca vai eleger os 190 representantes dos 19 conselhos, sendo cinco titulares e cinco suplentes para cada um dos conselhos tutelares já instalados no Rio. O salário dos conselheiros será de R$ 4,5 mil por mês, para um mandato de quatro anos.
Todos os eleitores podem participar e escolher as pessoas que vão ajudar a proteger as crianças e adolescentes na cidade do Rio. Ao todo, são 346 candidatos no Rio de Janeiro. A votação de domingo acontecerá das 8h às 17h.
Para votar, o cidadão deve levar seu título eleitoral e documento de identidade. A eleição acontece por região. Ou seja, o eleitor vai escolher os conselheiros que atuam na região de sua zona eleitoral.
Consulte seu local de votação no site do CMDCA-Rio.
Conheça os candidatos de sua região nesse link.