“Os cristãos têm que ser bem humorados”, disse recentemente um famoso padre em suas redes sociais; uma das características que os fazia serem reconhecidos no passado. Sendo assim, basta uma rápida conversa com Jurema Soares Marques, mais conhecida como Dona Jurema, integrante da irmandade Filhas de Maria, para percebermos que seu alto astral é sinal de que ali está uma cristã para lá de especial. Ao completar seus 95 anos de juventude neste 18 de março, ela exala fé, lucidez e essa alegria contagiante.

Dona Jurema talvez seja a maior responsável por hoje existir uma igreja no número 516 da rua Justiniano de Carvalho, onde está situada a matriz da Paróquia Nossa Senhora do Carmo. Afinal, foi ela quem comprou o terreno e reuniu os fundadores que possibilitaram o erguimento da Capela, que mais tarde tornaria-se a matriz de uma nova paróquia.

TERRENO DA IGREJA

Dona Jurema sempre foi catequista e conta que dava aula debaixo de um pé de jamelão, próximo ao local da atual igreja. Sonhava com um galpão ou terreno para a chuva não atrapalhar as atividades, pois quando chovia, as aulas eram interrompidas.
Foi num desses temporais que o sonho começou a se tornar realidade. Como de hábito, as crianças fugiram para a casa do amigo e vizinho Sr. Raimundo, que  desta vez sugeriu que ela adquirisse o terreno próximo a sua casa, e deu dicas de como encontrar o dono, que morava na região de Rio da Prata.
Dias depois, ao lado de Dona Augusta, esposa do seu grande amigo Sr. Valdir, Dona Jurema foi à procura do proprietário onde lhe fora indicado, lá na Paróquia Nossa Senhora das Dores, onde encontrou Sr. José fechando a igreja.
“Estou procurando o sr. José”, disse ela. “Sou eu, o que a senhora quer comigo?” Então, Dona Jurema explicou o caso e as suas nobres razões sensibilizaram aquele homem de fé, que aceitou vender. “Tinha o dinheiro na bolsa e paguei ali mesmo”, revelou ela, contando ainda que no dia seguinte Sr. José foi à sua casa dizer que ela se arriscou ao pagar o dinheiro a um desconhecido e sem receber recibo. Sua resposta foi uma aula de fé: “O senhor não está entendendo, antes de eu sair de casa pedi muito a Deus que me iluminasse”. E realmente ele iluminou. Após essa vitória, ela dizia a todos o seguinte: “O terreno não é meu, é do povo”.

ERGUIMENTO DA CAPELA
A compra do terreno foi uma batalha vencida, mas a guerra ainda estava longe de acabar. E se antes o objetivo era apenas um cantinho para dar as aulas da catequese, surgia a possibilidade da construção de uma capela, onde poderia dar suas aulas e também haver a realização de missas e celebrações. Para erguê-la foi necessário angariar dinheiro, e a obstinada integrante da irmandade Filhas de Maria organizou almoços em sua casa, que contavam com a participação de muitos voluntários.
Outra ação, agora com orientação do pároco da Nossa Senhora do Desterro, reuniu pessoas com condições de contribuir, que passaram a ser chamados de fundadores. Novamente a reunião ocorreu no quartel general de planejamento das batalhas, a casa de Dona Jurema. “Reuni pessoas interessadas em ajudar, algumas nem frequentavam igreja. Coloquei dois tesoureiros, ou seja, o dinheiro não ia para mim. Como todo mundo viu que eu estava com boa intenção, disseram “então vamos trabalhar””, revelou.

Depois da construção e de tudo resolvido, preferiu sair de cena: “Voltei a ser apenas catequista”, contou com humildade.

As cenas seguintes todos já conhecem: a capela ficaria pequena para tanta gente, a Arquidiocese criaria mais um território paroquial e surgiria ali a matriz da Paróquia Nossa Senhora do Carmo.


ORIGEM
Dona Jurema nasceu em Bangu, na mesma casa em que sua mãe, Raymuda Soares Marques, veio ao mundo, na localidade conhecida como Caixinha, e frequentava a Igreja São Sebastião e Santa Cecília. Somente por volta de seus 33 anos foi morar em Campo Grande, quando seu pai, Joaquim Carlos Soares, então futuro capitão da Aeronáutica, precisava morar  mais perto do seu novo endereço de serviço, a base aérea de Santa Cruz, da qual foi um dos fundadores.
Segundo ela, seus pais foram fundamentais para sua formação, seguindo sempre o caminho da verdade. “Ele era um militar severo, homem sério que nunca admitiu mentira”, exemplificou, mas deixando claro que tinha um coração enorme. 

VIDA RELIGIOSA E AMOROSA
O catolicismo sempre fez parte da vida de Dona Jurema. Como já citado, foi catequista desde muito nova e toda a família, de origem portuguesa, era rezadora de ladainha. Lembra com carinho das vezes que seu avô, Manuel de Lima, visitava as casas e “levava a santinha”, entoando as ladainhas em latim, algo comum na época. Ela conta que também aprendeu um pouco do idioma: “Com 12 anos eu já cantava Ave-Maria em latim”.
Um pouco mais tarde, sua vida religiosa se cruzaria com a amorosa. O maçom agnóstico Mário Corrêa Marques também era amigo do Sr. Valdir, aquele cuja esposa lhe ajudou a encontrar o terreno da capela. Em um dos almoços promovidos pelo esposo de Dona Augusta, Jurema e Mario se conheceram. Depois de muita conversa, ele pegou em sua mão, ela gostou e dali nasceu um namoro abençoado, posteriormente um casamento feliz, aos seus 36 anos, e uma filha maravilhosa, aos seus 42 anos. 

Entretanto, antes do casamento, como Mário não era católico, Jurema teve trabalho para convertê-lo, o que chamou de “lapidar a pedra”. Sr. Valdir foi importante, pois conseguia levá-lo à igreja para ajudá-lo em tarefas como montar barraquinhas, auxiliar na manutenção e na limpeza, e ele sempre aceitava.
Posteriormente, Mário foi assistindo as catequeses, mais tarde virou aluno, até ser batizado e não sair mais da Igreja. “Uma vez me pediu para comprar o catecismo para ele. Comprei o catecismo e a Bíblia. Peguei pelo laço”, comentou Dona Jurema, ensinando em seguida o seu segredo: “Invoca sempre o Espírito Santo e pede para iluminar, por que Ele ilumina”.


FAMÍLIA E ENSINAMENTOS
A filha única, Alessandra, hoje cuida da mãe com enorme dedicação, ao ponto de Dona Jurema dizer agradecida que “Não é uma filha, é um anjo”, mas deixa claro que nada é por acaso.
E como ser catequista é para sempre, em mais um de seus ensinamentos ela diz que “Você só vai colher aquilo que plantou”. Contou que cuidou dos pais quando ficaram doentes – só do pai por 17 anos, antes de seu falecimento em 2001 – e que por conta disso “casou velha”, conforme suas próprias palavras. “O que fiz pelos meus pais eu plantei, e o que acontece comigo e minha filha? Ela cuida de mim. Estou colhendo aquilo que plantei. Minha filha é o meu anjo”, repetiu.

PADRE JORGE

Ao final da aprazível conversa com a Pascom Carmo, Dona Jurema fez duas revelações sobre o atual pároco da igreja que ajudou a construir, Padre Jorge Nei.
Na primeira ela demonstra muita gratidão por um gesto especial do sacerdote: “Quando ele veio para cá (Paróquia), a primeira coisa que fez foi celebrar uma missa para mim no meu quintal”, revelou. Já na segunda, ela diz: “Eu acho o Padre Jorge muito bonito”, arrancando risadas e brincadeiras, devido a sua espontaneidade.

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