Ele disse ainda que padrasto foi chamado pejorativamente de ‘ganso’, termo usado em alusão a pessoas supostamente envolvidas com tráfico de drogas, segundo especialistas. Viúva se revolta: ‘Ele não é bandido, não é traficante, ele é trabalhador, gente’. Corregedoria da PM investiga. VÍDEO: Moradores da Cidade de Deus dizem que mototaxista e carona foram mortos pela PM
A família do mototaxista Edvaldo Viana, de 41 anos, afirma que policiais militares o assassinaram numa abordagem na terça-feira (18) perto da Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio. O enteado dele, Paulo Henrique dos Santos Duarte, diz ainda que os PMs se referiram a ele como “ganso”, termo pejorativo utilizado para associar pessoas ao tráfico de drogas (entenda abaixo).
‘Eles atiram primeiro e perguntam depois, e vai ficar por isso mesmo’, disse o enteado.
Um passageiro que estava na garupa da moto, e ainda não identificado, também morreu. O enteado do mototaxista diz que foi até o local do crime, depois de ouvir a notícia de que um homem que poderia ser seu padrasto tinha sido baleado.
“Chegamos lá, tinham algumas viaturas. Perguntamos, falaram: ‘Os dois gansos já morreram, já levaram já’. Aí eu falei: ‘Não é ganso, não, cara, só quero saber quem é, se é o meu padrasto, se não é’. Aí ele falou: ‘Se for os que estavam aí baleados, eles já foram há muito tempo, a gente só tá aqui pra impedir a aglomeração”, relatou Paulo Henrique.
Morte em dia de festa
Era para ser um dia de comemoração na família do mototaxista Edvaldo Viana. A filha mais velha do enteado dele faz 12 anos nesta quarta-feira (19). Mas ninguém da família conseguiu dormir nessa madrugada.
Como trabalhava na região, Edvaldo foi reconhecido pelos funcionários do lava-jato que fica em frente ao local dos tiros. Eles contaram tudo o que viram à família. Ainda de acordo com testemunhas, os policiais atiraram primeiro de dentro do carro e só depois saíram da viatura.
“Sempre acontece isso. Seis meses atrás foi um outro rapaz que era mototáxi também lá do Gardênia e foi a mesma maneira que eles pegaram e trataram: primeiro eles atiraram, não quiseram saber de nada, e simplesmente foi mais um que entrou pra estatística. E agora foi o que aconteceu com o caso do meu padrasto”, relata o enteado.
Edvaldo e a mulher, Mirian do Santos, se casariam oficialmente no fim do ano. Muito abalada, a auxiliar de professor disse que, até esta manhã, não teve acesso a nenhum documento que estava com Edvaldo.
“Uma outra coisa: eles não me deram um documento do meu marido. (…) Ele sai de casa todo dia com o documento da moto, habilitação, a chave, tudo direitinho. Eles não me deram nada, nada”.
Edvaldo nasceu em Maceió, onde moram os pais deles. A família quer que ele seja enterrado lá, mas ainda não sabe como serão os trâmites para transportar o corpo.
Viúva de mototaxista mostra cápsula de arma encontrada perto de onde o marido morreu
Bárbara Carvalho/GloboNews
‘Ganso’ é um estigma, dizem especialistas
Em um artigo publicado por Fernanda Novaes Cruz e Perla Alves Bento de Oliveira Costa, especialistas em segurança pública, o termo “ganso” é usado por PMs do Rio “destinado a pessoas que apresentam alguma forma de envolvimento com drogas ilícitas”.
As autoras afirmam que o termo “ganso representa um estigma” em relação a um conjunto de comportamentos considerados deteriorados e reprováveis.
“No contexto da PMERJ, o ganso é um indivíduo que apresenta uma série de comportamentos degradados relacionados ao uso ou tráfico de drogas. Entre esses comportamentos, podemos citar certas maneiras de se vestir, a postura, o modo de andar, entre outros. Em suma, trata-se de características relacionadas ao desleixo ou à ‘vagabundagem'”, escrevem as autoras.
O trecho foi retirado de um artigo denominado “É tudo ganso? A (in)distinção entre usuários e traficantes de drogas e seus limites na perspectiva dos policiais militares do Rio de Janeiro”.
Especialista em segurança pública, a socióloga Maria Isabel Couto diz que o termo é usado também em outros estados, como Alagoas.
No Rio, segundo ela, o termo é atribuído principalmente a supostos traficantes de baixo escalão, principalmente.
“Os policiais dizem que (o termo) tem a ver com o movimento do pescoço, no beco ou na viela, botando o pescoço pra fora pra ver e fugir, andando pra qualquer lado”.
O que dizem as polícias
A Polícia Militar determinou que a Corregedoria da PM apure a ação. E disse que os policiais do 18° BPM (Jacarepaguá) foram ouvidos na Delegacia de Homicídios da Capital. Um fuzil da equipe foi recolhido para perícia.
A nota diz ainda que, depois que os dois homens foram baleados pelos policiais, moradores tentaram obstruir as vias em protesto. E que equipes do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq) atuaram junto às equipes do 18° BPM para estabilizar a região.
De acordo com a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), as investigações estão em andamento. Os policiais militares prestaram depoimento e um fuzil foi apreendido e encaminhado para confronto balístico. Diligências seguem para apurar as circunstâncias do caso.

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